Passados 60 anos do episódio, vários questionamentos ainda cruzam a
história oficial do crime, multiplicando as versões sobre o assassinato. São
esses enredos periféricos que mantêm vivos o mistério e as lendas que pairam
sobre o caso. Neste folhetim da vida real soma-se ainda o arquivamento sobre a
morte do Padre, assassinado a pauladas em 1997, crime que ainda permanece sem
solução. Ao longo das décadas, estes dois personagens continuam fortes no
imaginário popular das duas cidades, seja pela gloriosa lembrança ou por uma
quase necessidade de esquecimento. Se por um lado Garanhuns trata Dom Expedito
como santo, por outro Quipapá prefere apagar da memória a sombra da vilania do Pároco
que, para alguns, amaldiçoa a Cidade.
Apesar dos vários relatos de troca de cartas entre o padre e suas
amantes, onde estariam escritas confidências da vida a dois, os bilhetes
sumiram. Eri Luigi, disse ter tido acesso, no passado, a algumas dessas
correspondências, mas que nada havia de comprometedor. “Eu li muitas dessas
cartas e ele era respeitador nelas. Não tinha nada disso, de caso”. Para ela, a
má relação de Hosana com dom Expedito foi criada pela conjunção do
disse-me-disse das beatas insatisfeitas com o temperamento forte e esquisito do
Padre, que algumas vezes viajava para sua fazenda no município de Correntes e
deixava a população sem missa.
Segundo alguns relatos, o Pároco chegou a dar surras num vizinho bêbado
que espancava as filhas e era agressivo com fieis. Ele ainda andava armado e
atirava em cachorros que se aproximavam do seu cavalo, afirmam outros. Foi pelo
conjunto da obra, e não apenas por seus romances, acreditam muitos, que dom
Expedito, com aval do Vaticano, anunciaria na rádio a excomunhão de Hosana
naquele 1º de julho.
O DIA FATÍDICO – “Naquele dia o Padre celebrou uma missa muito
dura contra dom Expedito. Logo depois, disse para o povo que logo mais eles
teriam uma notícia vinda de Garanhuns sobre o Bispo, mas ninguém esperava algo
tão trágico. Foi um sofrimento muito grande para todos e, principalmente, para
as duas cidades”, relembrou a religiosa Maria do Carmo Ferreira, 34 anos, sobre
o episódio que o avô lhe contara várias vezes na infância.
O Pároco, sabendo da iminência da excomunhão que seria lida na Rádio
Difusora, partiu de Quipapá com a ideia de também usar o microfone para se
defender. Tomou o trem e, já em Garanhuns, seguiu de táxi para a rádio. Mas foi
proibido de entrar e falar. Enfurecido, seguiu para a casa do Bispo. Era perto
das 18h30. “Dom Expedito tinha acabado de jantar quando bateram à porta. Assim
que ele abriu, padre Hosana, sem dar uma palavra, disparou três vezes à queima
roupa. Um tiro no braço e dois no tórax”, contou a missionária Terezinha Araújo
Correia, 60 anos, atual curadora do Memorial Dom Expedito Lopes, localizado aqui
em Garanhuns. Tudo foi muito rápido. Hosana fugiu para o Mosteiro de São Bento,
confessou o crime e pediu proteção de vida, já prevendo que seria caçado pelas
autoridades. Enquanto isso, a agonia do bispo ganhava as ruas. Sem ambulância
na cidade, ele foi transportado para o hospital na própria cama, colocada sobre
uma caminhonete. Na unidade de saúde, recebeu apenas transfusões de sangue e
depois de oito horas, já na madrugada do dia 2, morreu.
O NASCIMENTO DE UM MÁRTIR – Dom
Expedito Lopes era o 5ª bispo da Diocese de Garanhuns e o que menos tempo ficou
no posto. Em pouco mais de dois anos no cargo, foi assassinado. Mas também
passou a ser aclamado como Santo pela população. “A morte chamou muito a
atenção das pessoas. Mesmo sabendo quem o feriu, ao invés de ficar revoltado,
ele logo perdoou seu algoz. E no leito de morte pedia repetidamente que
rezassem pelo padre Hosana”, comentou a missionária Terezinha. O sofrimento do
bispo já era encarado como um ato de fé de um mártir e, desde então, passaram a
dizer que ali estava um homem santo.
A religiosa Cândida Araújo, 87, velou a cabeceira da cama do Bispo no
hospital e é uma fervorosa defensora da santidade do Bispo. “Tenho fé de que
ainda verei dom Expedito no altar do Senhor.” A tesoureira da Cúria de
Garanhuns, irmã Joelma Pinto, disse que o processo estava parado e foi reaberto
em 2003, mas anda devagar. “Toda a parte que dependia de nós aqui no Brasil foi
feita. Existe uma parte posterior que é feita em Roma e depende de termos uma
pessoa lá, que tenha todas as competências necessárias para acompanhar o estudo
e fazer a position, que é um documento com todos os fatos, virtudes e relatos
de história de santidade dele”, explicou. Enquanto isso, o fervor na cidade não
esmorece. “Ainda hoje as intenções de missas de agradecimento à intercessão de
dom Expedito na Catedral continuam. São de três a cinco por mês, em
agradecimento por graças alcançadas”, afirmou a missionária Terezinha. (Reportagem de Renata Coutinho/Folha de Pernambuco.
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