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BUSCA DE NOTÍCIAS DE 2013 A 2020
BLOG DO CARLOS EUGÊNIO | quarta-feira, 18 de julho de 2018

 
O Ministério Público de
Pernambuco (MPPE), através da 2ª Promotoria de Defesa da Cidadania, ingressou
na última segunda-feira, dia 16, com uma Ação Civil Pública contra o Município
de Garanhuns e o Estado de Pernambuco por negarem o pluralismo da sociedade e
por discriminação contra os transexuais.

Na ação, a 2ª Promotoria de
Justiça de Defesa da Cidadania requer ao Poder Judiciário liminar para obrigar
o Estado a reincluir a peça “O Evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu”, que
constou da programação previamente selecionada do Festival de Inverno de Garanhuns
2018, que tem como tema “Um viva à liberdade!”. O MP requer ainda que, ao final
do processo, o Estado e o Município sejam condenados a pagar indenização de dez
vezes o valor da peça, com o montante sendo revertido para campanhas contra a
discriminação.

Além das medidas adotadas, a Promotoria
de Justiça local também encaminhou para a Central de Inquéritos do MPPE, aqui em
Garanhuns, diversas ameaças proferidas contra a produção da peça,
principalmente através de redes sociais. A meta é que os autores das ameaças
sejam identificados, para que medidas criminais contra os agressores sejam
adotadas.
“O que está em jogo não é uma
peça teatral, mas os princípios Constitucionais do Estado Democrático de Direito
e a capacidade do Estado de ser garantidor da liberdade e de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos. A subordinação do Estado à
discriminação estimula o ódio e a violência no seio da população”, observou o Promotor
de Justiça, Domingos Sávio Pereira Agra, em trecho da Ação Civil Pública de Obrigação
de fazer com Pedido de Tutela Provisória de Urgência Antecipada, encaminhada a Vara da Fazenda
Pública da Comarca de Garanhuns.


O Governo Municipal de Garanhuns informou que ainda não foi notificado a respeito do assunto e que só se pronunciará quando tiver a informação oficializada. O Blog do Carlos Eugênio está a disposição do Governo do Estado de Pernambuco para publicar a sua posição quanto a medida adotada pelo MPPE. 

PEÇA SERÁ APRESENTADA EM GARANHUNS – Após ter sido retirada da
programação do Festival de Inverno de Garanhuns e de uma
campanha nas redes sociais e financiamento coletivo online,
organizado por artistas e produtores culturais independentes, a peça ‘O
Evangelho Segundo Jesus – Rainha do Céu’, que traz uma atriz trans no papel de
Jesus Cristo, será apresentada aqui em Garanhuns, no próximo dia 27 de julho. “Por
uma questão de segurança sua e da equipe do espetáculo, só mandaremos o local
da apresentação no dia da mesma, por e-mail”, pontua um aviso postado no
site de venda dos Ingressos.


Clique AQUI para ter acesso a Ação Civil Pública na Integra. 



EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA
PÚBLICA
DA COMARCA DE GARANHUNSPE.

O
MINISTÉRIO
PÚBLICO
DO
ESTADO
DE
PERNAMBUCO,
através da 2ª Promotoria de Justiça e Cidadania de Garanhuns,
por meio de seu representante
legal,
com
fundamento
no
artigo
129,
incisos
II
e
III
da
Constituição
Federal,
e
com
base
nos
documentos em anexo,
vem
perante
esse
Juízo, pelas razões de fato e de direito adiante
expostas,
propor
AÇÃO
CIVIL
PÚBLICA
DE
OBRIGAÇÃO
DE
FAZER
COM
PEDIDO
DE
TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPADA, NOS TERMOS DA LEI 7.347/85, 
em
face
do
:
1)  
ESTADO DE
PERNAMBUCO, representado pelo seu procurador-geral, nos termos do artigo 75,
II, do CPC, com endereço na Rua do Sol, 143, bairro de Santo Antônio, Recife,
CEP 50.010-470.
2)  
MUNICÍPIO
DE GARANHUNS, representado pelo seu prefeito ou seu procurador, nos termos do
artigo 75, III, do CPC, com endereço na prefeitura municipal.
I. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS PRELIMINARES: DO DIREITO PROCESSUALAÇÕES COLETIVAS E LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
1. A previsão das ações coletivas para tutela de direitos transindividuais representa a ampliação do acesso à justiça, considerando que uma única demanda ajuizada por um colegitimado legal passa a ser suficiente para a tutela de interesse pertencente a número indeterminado de cidadãos.
2. Os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos nasceram com a Constituição Federal de 1988 e foram materializados com a edição da Política Nacional do Meio ambiente, em 1981; da Lei de Ação Civil Pública Lei 7.347/85; e do Código de Defesa do Consumidor Lei 8.078/90, que define tais direitos da seguinte forma:
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
3. Os direitos difusos constituem direitos transindividuais e indivisíveis, que ultrapassam a esfera de um único indivíduo, em que a satisfação do direito deve atingir a uma coletividade indeterminada, porém, ligada por uma circunstância de fato.
4. Nesse caso, a indeterminação dos titulares é absoluta, pois não é possível definir de maneira individualizada o titular do direito. Tal natureza indivisível faz com que o direito exista para todos de maneira única, não sendo possível a satisfação de maneira fracionada. É inviável, portanto, que haja satisfação do interesse de um lesado sem que o interesse dos demais seja atendido, uma vez que não é possível dividi-lo.
5. Como leciona José Carlos Barbosa Moreira, os direitos difusos não pertencem a uma pessoa isolada, nem a um grupo nitidamente delimitado de pessoas, mas sim a uma série indeterminada e de difícil ou impossível determinação, cujos membros não se ligam por vínculo jurídico definido.
6. Os direitos coletivos constituem direitos transindividuais de pessoas ligadas por uma relação jurídica base, sendo seus sujeitos indeterminados, porém determináveis. É possível, neste caso, delimitar uma classe ou grupo de sujeitos ofendidos, embora também exista a indivisibilidade do direito, pois não é possível conceber tratamento diferenciado aos diversos interessados coletivamente.
7. os direitos individuais homogêneos são aqueles que transcendem o escopo individual e decorrem de questões sociais, atingindo pessoas determinadas ou determináveis, e cujos direitos são ligados por um evento de origem comum. Tais direitos podem ser tutelados coletivamente mais por uma opção de política do que pela natureza de seus direitos, que são individuais, unidos os seus sujeitos pela homogeneidade de tais direitos num dado caso.
8. A presente ação trata dos direitos de inúmeros cidadãos garanhuenses que têm direito a um
Estado e Município que não se submetam a qualquer tipo de discriminação,
garantidores de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, como
previsto pelo constituinte já no preâmbulo da Constituição Federal.
Tais cidadãos estão ligados pela mesma circunstância fática, que é residirem num espaço que está sendo
submetido a discriminação porque o Município e o Estado de Pernambuco
sucumbiram em face de pressões preconceituosas e discriminatórias em relação
aos transexuais, propiciando um clima de desrespeito à dignidade da pessoa
humana.
9.  
Não se trata de pequeno grupo delimitado pela orientação sexual, ou pela cor, ou pela religião, ou pelo local de domicílio. Não se trata, ainda, de sujeitos que, individualmente, sofreram ofensas parecidas. Esta ação visa defender os indivíduos indeterminados que sofreram grave lesão ao seu direito fundamental a um Município e a um Estado não discriminatórios. Não dúvidas, portanto, quanto ao direito difuso ora tutelado.
10. A presente ação busca ainda estabelecer indenização por danos morais coletivos, em face do sofrimento gerado à
população pelo clima de hostilidade estimulado pela postura discriminatória dos
demandados, para que se recomponha
 a tão almejada segurança jurídica, corolário dos direitos fundamentais da pessoa humana.
11. O Ministério Público atua devido à impossibilidade de que todos os diretamente ofendidos possam pleitear em juízo a proteção dos seus interesses pelo Judiciário, levando ao silêncio dos ofendidos, até pelo receio de sofrerem retaliações da mesma força opressora que violou garantias anteriormente. Na ação coletiva, ao contrário da individual, relevância social, pois o trâmite da ação proporciona economia judicial, acesso à justiça e efetividade do direito material. Há, ainda, a dispersão do dano, em decorrência da pluralidade de pessoas lesadas em seu direito.
12. O instrumento processual adequado para defesa dos direitos ora pleiteados é o gênero Ação Coletiva (art. 81, p. ú., III, da Lei 8.078/90) que visa proteger interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, cujo instrumento não se limita à Ação Civil Pública, abrangendo, também, ações mandamentais, cautelares, executórias e outras. Não se confunda ação coletiva com o litisconsórcio, caracterizado pela presença de várias pessoas integrando a relação processual. Vale destacar, também, que a tutela de direitos coletivos ou difusos não se confunde com a tutela coletiva de direitos. Enquanto a primeira cuida da defesa dos direitos transindividuais (essencialmente coletivos), a segunda defende os direitos individuais, que são acidentalmente coletivos.
13. Considerando a importância social da demanda coletiva, exige-se que o processo coletivo seja instrumento hábil e eficaz para dar respostas adequadas aos conflitos de massa. Para tanto, o magistrado pode, por exemplo, flexibilizar regras processuais e determinar de ofício as medidas que julgar necessárias, objetivando legitimar a função social da jurisdição.
14. Se todos os sujeitos do direito lesado propusessem ações individuais, o volume de processos poderia emperrar a máquina judiciária, que não teria como dar vazão às inúmeras ações. Ademais, com a propositura de diversas ações individuais, não haveria garantia de que todas receberiam a mesma solução, podendo ensejar o estabelecimento de desigualdades entre iguais.  Para evitar que os cidadãos tenham seus direitos lesados sem chance de reparação, por força do elevado custo de um processo judicial, bem como para evitar a sobrecarga de ações judiciais e soluções desiguais para o mesmo ato lesivo, o CDC autoriza a defesa dos direitos difusos de forma coletiva, por meio de um único processo.
15. Em suma: a ordem jurídica a necessidade de substituir o acesso individual dos lesados à justiça por um acesso coletivo, de modo que a solução obtida no processo coletivo deve ser apta a evitar decisões contraditórias, além de garantir uma solução mais eficiente da lide, uma vez que o processo coletivo é exercido em proveito de todo o grupo lesado.
16. No caso específico dos autos, os direitos lesados são direitos fundamentais, como o direito à liberdade de expressão e à manifestação e, sobretudo, a um estado garantidor de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos,
 sendo assim de grande importância  a ação coletiva, para que se preservem os fundamentos do Estado Democrático Brasileiro.
17. O Ministério Público surge, neste caso, como substituto a todos esses cidadãos, que na expectativa de exercerem sua cidadania e seu direito ao lazer, à liberdade de expressão e a uma sociedade fraterna, pluralista
e sem preconceitos, foram violentados pela conduta ilícita dos demandados, que
estimulam o preconceito e a discriminação, traindo a essência do Estado no
regime democrático de direito.
Com efeito, a legitimação do Ministério Público em defender o interesse desses cidadãos é evidente e mais que justificada.
18. Por fim, a legitimidade do Parquet também pode ser vista a partir da  Nota Técnica nº 8, de 15/3/2016, do Conselho
Nacional do Ministério Público – CNMP, que pontua: “A ciência não possui definição sobre por que pessoas possuem
orientação sexual e de gênero diversa daquelas pelas quais são biologicamente
reconhecidas. O fato é que tais pessoas existem e são fortemente
marginalizadas nas relações sociais
” (…) “Um dos direitos a serem
tutelados pelo Estado é a igualdade e a proscrição de toda e qualquer forma de
discriminação
, prevista no art. 3º, inciso IV, e no art. 5º, caput, e
inciso XLI, ambos da CF/1988” (…) “Tais normas constitucionais devem ser
necessariamente interpretadas em conjunto com a Declaração Universal dos
Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos
(1966), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(1966), o Protocolo de São Salvador (1988), a Declaração da Conferência
Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância

Correlata (Durban, 2001)
e os Princípios de Yogyakarta (Yogyakarta,
2006).
– Sublinhamos.
II
– DAS RAZÕES FÁTICAS E JURÍDICAS
1. No dia 25/06/2018, a Secretaria de Cultura do Estado divulgou que o
tema do 28º Festival de Inverno de Garanhuns será “Um viva à liberdade!”,
afirmando o secretário estadual de cultura, Marcelino Granja:
“Nesses tempos em que a regressão
civilizatória do neoliberalismo tenta impor o pensamento conservador e
moralista ao aparelho de Estado, aos meios de comunicação e à cultura atacando
a livre manifestação artística, estimulando a intolerância, promovendo a
perseguição política e absurdos como boicotes punições a mostras, filmes e a
outras obras de arte, estamos garantindo que o FIG será novamente um
território livre para fruição da nossa diversidade, da liberdade criativa e de
todas as vivências artísticas e culturais, expressão da nossa própria
identidade como povo
”; no mesmo sentido, a presidente da
Fundarpe, Márcia Souto, afirmou: “o
Governo do Estado segue empenhado em construir uma programação artística
democrática, onde caibam todas as nossas expressões, abrindo espaço para a
novidade sem perder de vista a valorização das tradições populares

(disponível, dentre outros, em
http://boragora.com.br/2018/06/25/liberdade-e-tema-do-fig-2018-programacao-sai-nesta-quinta-28/) – Sublinhamos.
2. Em
29/06/2018, em entrevista a rádio local, o Sr. Prefeito afirmou que não
permitiria a apresentação, em prédio público do Município, do monólogo “O
Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”, justificando que adotou a
atitude “como cristão e em respeito à população cristã de Garanhuns, que é a
grande maioria, 99 ou 100% da população”, afirmando que “respeita também os
transexuais, agora, apresentar uma peça onde diz que Jesus é transexual, é um
negócio que a gente fica chateado”;
e que “não podemos comungar com
manifestações que ferem símbolos sagrados da fé cristã”.
(Disponível, dentre outros, em
http://www.blogdocarloseugenio.com.br/2018/06/polemica-em-garanhuns-prefeito-nao.html) – Sublinhamos.
3. A
presidente da Fundarpe, Márcia Souto, afirmou que a peça estava programada pra
ser encenada no Sesc local, voltada para público adulto, às 23h, com
capacidade entre 70 e 100 pessoas; o secretário de cultura reiterou que havia
ainda outras alternativas de espaço para a exibição e que a escolha da peça,
como as demais, foi um processo de curadoria pública que o Festival de
Inverno faz há décadas
. (endereço eletrônico acima).
4. A atriz protagonista do monólogo,
Renata Carvalho, declarou-se aberta ao diálogo com os opositores da peça e
expôs como propósito do monólogo a reflexão sobre a exclusão, criminalização e
violência contra os travestis (endereço eletrônico acima).
5. Ainda
em 29/06/2018, a Câmara Municipal de Garanhuns emitiu nota referindo-se à peça,
invocando o respeito à liberdade de crenças, pensamentos e opiniões e afirmando
que “diversos embates nascem justamente da satirização das crenças”.
(Disponível, dentre outros, em
http://www.vecgaranhuns.com/2018/06/polemica-no-fig-em-nota-camara.html) – Sublinhamos.
6. Em
30/06/2018, a Diocese de Garanhuns emitiu nota contra a exibição da peça,
invocando “a inviolabilidade da fé e da
crença”
(artigo 5º, inciso VI, da CRFB) e o artigo 208 do Código Penal,
que, literalmente, tipifica como crime escarnecer
de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou
perturbar
cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar
publicamente ato ou objeto de culto religioso”
; afirmando a Diocese que “a liberdade de expressão artística não pode
ferir o sentimento religioso e a identidade cristã de uma inteira
população”
; paralelamente, cobra dos governos municipal e estadual a “discussão sobre outra perspectiva”,
afirmando que “o nosso país é o que mais
mata homossexuais, travestis e transexuais no mundo” e que “o Município de
Garanhuns está entre os campeões no quesito violência contra a mulher”
; a
Diocese resolve “proibir que a Igreja
Catedral seja utilizada como um dos palcos do Festival de Inverno 2018”,
registrando
a nota que na Catedral funciona o Palco de Música Clássica Instrumental
;
conclui a nota conclamando “soluções
dialogadas e que gerem uma cultura de
paz”
(disponível, dentre outros, em
http://www.blogdocarloseugenio.com.br/2018/06/bispo-de-garanhuns-se-posiciona.html). – Sublinhamos.
7. Conforme nota oficial divulgada em 30/06/2018, “o Governo do
Estado de Pernambuco, por meio da Secretaria de Cultura e da Fundarpe, decidiu
cancelar a apresentação ‘O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu’ da Mostra de
Teatro Alternativa do Festival de Inverno de Garanhuns de 2018, diante da
polêmica causada pela atração e da possibilidade de prejuízos das parcerias
estratégicas e nobres que o viabilizam
” .
(Disponível, dentre outros, em
http://www.blogdocarloseugenio.com.br/2018/06/governo-do-estado-cancela-apresentacao.html); – Sublinhamos. Todavia, não chegou ao
conhecimento desta Promotoria de Justiça a existência de ato administrativo formal
de cancelamento da peça, em que pese a ampla divulgação da nota oficial do
Estado.
8. Imediatamente após o anunciado cancelamento, foi divulgada nota
oficial do Município de Garanhuns, afirmando: O Governo Municipal de
Garanhuns, na sua representação oficial o prefeito Izaías Régis, vem a
público manifestar sua satisfação de ver que o clamor da sociedade de Garanhuns
num pedido expresso de respeito à fé cristã, que foi transmitido para todo o
Estado a partir de uma entrevista sua a uma emissora de rádio
, reforçado
pela população nas redes sociais, bem como ratificado por instituições
religiosas que externaram o seu posicionamento, tenha sido ouvido pelo
Governo do Estado de Pernambuco, culminando com a suspensão da apresentação em
Garanhuns, do espetáculo
“O Evangelho segundo Jesus – a Rainha dos
Céus”.
 Sublinhamos. (Mesmo endereço eletrônico
acima).
9. Em
livre pesquisa na rede mundial de computadores – internet sobre a peça “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”,
verificamos o seguinte: a peça é classificada no gênero “monólogo dramático” e
mistura depoimento e contação de
história para tratar de opressão e intolerância, especialmente a sofrida pelos
transgêneros”
(https://vejasp.abril.com.br/atracao/o-evangelho-segundo-jesus-rainha-do-ceu/); “O texto
da britânica Jo Clifford aproxima Jesus da atualidade ao retratá-lo como uma
mulher transgênero. A mudança de paradigma provoca discussão sobre opressão,
intolerância, perdão e aceitação.” (
https://guia.folha.uol.com.br/teatro/drama/o-evangelho-segundo-jesus-rainha-do-ceu-sesc-pinheiros-3070917664.shtml); foi exibida em Porto Alegre, em setembro/2017, onde a
justiça negou pedido de proibição (
https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/juiz-nega-pedido-de-proibicao-de-peca-teatral-com-jesus-transgenero-em-porto-alegre.ghtml); foi exibida em São Paulo-SP (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/10/1822464-em-monologo-em-cartaz-em-sp-atriz-travesti-interpreta-jesus-transexual.shtml); em Curitiba, na Catedral Anglicana de São Tiago
(
https://www.brasildefato.com.br/2018/03/30/peca-o-evangelho-segundo-jesus-rainha-do-ceu-chega-a-curitiba-veja-mais-dicas/); no Rio de Janeiro (http://teatroemcena.com.br/home/jesus-travesti-atrai-multidao-na-lapa-e-faz-apresentacao-extra/); na Paróquia São Lucas de Londrina, da Igreja Episcopal
do Brasil (
http://dapar.org/2016/notafilo2016/); no Recife, em junho/2018 (http://jc.ne10.uol.com.br/blogs/terceiroato/2018/06/01/o-evangelho-segundo-jesus-rainha-do-ceu-e-a-cruz-do-preconceito/).
10. A
diretora da peça, Natália Mallo, em vídeo disponível em
(https://www.youtube.com/watch?v=UKOIHazEN0o), afirma que a peça, escrita por
Jo Clifford, dramaturga escocesa, visa a “resgatar
o que considera a essência da mensagem de Jesus Cristo – uma ideia de afirmação
da vida, afirmação do corpo, amor, tolerância, perdão, solidariedade”, e “uma
questão muito séria, a transfobia, a violência de gênero, os mecanismos de
opressão, que são estruturais e que regem a nossa vida
    “;
“traz essa figura de Jesus de uma maneira muito respeitosa, mas é muito também
política e provocadora, porque o Brasil é o país mais transfóbico do mundo, é o
país que mais assassina  travestis e
transexuais; e isso é uma questão muito séria e a gente toca nessa questão”;
e
convida para diálogo os que questionam o trabalho.
11.  A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL – foi promulgada em outubro de 1988 pelos
representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte
para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos
, fundada na harmonia
social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica
das controvérsias
, afirmando-se ainda a promulgação “sob a proteção de
Deus” (Preâmbulo da Constituição).
12. Dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil, estão a
cidadania
; a dignidade da pessoa humana; e o pluralismo
político
(artigo 1º da CRFB).
13. “Constituem objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa
e solidária
; (…) IV
– promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisque
r outras formas de discriminação” (artigo
3º da Constituição Federal).
14. O artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil
estabelece:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza
, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos
desta Constituição;
II – ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
(…)
IV – é livre a
manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
(…)
VI – é inviolável a
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto
e a suas liturgias;
(…)
VIII
ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política
, salvo se as invocar para eximir-se de
obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa,
fixada em lei;
IX
é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença
;
(…)
XIII – é livre o
exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações
profissionais que a lei estabelecer; 
(…)
XVI – todos podem
reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público,
independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião
anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à
autoridade competente;
15. É dever do Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme o
artigo 127 da Constituição Federal de 1988.
16. As curadorias do patrimônio público e social, da educação e da
infância e juventude – interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos
são de atribuição da 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania, conforme
a Resolução CPJ 02/2013 (DOE de 7/6/2013),
17. A liberdade de expressão, como qualquer direito, não é absoluta – e
encontra limites na própria ordem jurídica vigente, sobretudo no princípio
da dignidade do ser humano
, o que já foi expressamente reconhecido pelo
Supremo Tribunal Federal – STF, do que é marco o acórdão cuja ementa abaixo se
transcreve:
HABEAS-CORPUS.
PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME
IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE
EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA. (…)13. Liberdade de expressão.
Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e
jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência,
manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 14. As
liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de
maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição
Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte)
. O preceito fundamental de
liberdade de expressão não consagra o “direito à incitação ao
racismo”, dado que um direito individual não pode constituir-se em
salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra.
Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade
jurídica
. 15. “Existe um nexo estreito entre a imprescritibilidade,
este tempo jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a memória, apelo do
passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança sobre o
esquecimento”. No estado de direito democrático devem ser
intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos
direitos humanos. Jamais podem se apagar da memória dos povos que se pretendam
justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre
iguais
por motivos raciais de torpeza inominável. (…)
(HC 82424, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Relator(a) p/ Acórdão:  Min.
MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 17/09/2003, DJ 19-03-2004 PP-00017
EMENT VOL-02144-03 PP-00524)”.
18. “É competência
comum
da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios: I – zelar pela guarda da Constituição, das leis e das
instituições democráticas
e conservar o patrimônio público;” (Artigo 23 da
CRFB).
19. A educação, direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania
e sua qualificação para o trabalho.”
(Artigo 205 da CRFB). E,
segundo o artigo 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei 9.394/96,
“a educação abrange os processos
formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no
trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”
.
20. O Estatuto da Juventude – Lei 12.852/2013, garante em relação aos
jovens (de 15 a 29 anos de idade – ressalvada a aplicação do Estatuto da
Criança e do Adolescente), a observância, dentre outros, dos seguintes
princípios:
promoção
da autonomia e emancipação dos jovens
;  promoção da vida segura, da cultura da
paz, da solidariedade e da não discriminação
(artigos 1º e 2º, I e VII);
21. O
Decreto da Presidência da República nº 7.107, de 11/02/2010, que promulga o
Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé, relativo
ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, firmado na Cidade do
Vaticano, em 13 de novembro de 2008, estabelece: “Artigo 2º  A
República Federativa do Brasil, com fundamento no direito de liberdade
religiosa, reconhece à Igreja Católica o direito de desempenhar a sua missão
apostólica, garantindo o exercício público de suas atividades, observado o
ordenamento jurídico brasileiro
. (…) Artigo 7º   A República Federativa do Brasil assegura, nos
termos do seu ordenamento jurídico, as medidas necessárias para garantir a
proteção dos lugares de culto da Igreja Católica e de suas liturgias, símbolos,
imagens e objetos cultuais, contra toda forma de violação, desrespeito e uso
ilegítimo.”
Não se vislumbra na referida peça ofensa a tal estatuto; por
outro lado, a própria Igreja Católica se submete ao ordenamento jurídico
brasileiro, não podendo o Estado atender a pressões que violem o estado
democrático de direito – no caso concreto, que dê margem a discriminação contra
os transexuais.

23. “Entende-se
por ‘preconceito’ uma opinião ou um conjunto de opiniões, às vezes até
mesmo uma doutrina completa, que é acolhida acrítica e passivamente pela
tradição, pelo costume ou por uma autoridade de quem aceitamos as ordens sem
discussão: ‘acriticamente’ e ‘passivamente’, na medida em que a aceitamos sem
verificá-la, por inércia, respeito ou temor, e a aceitamos com tanta força que
resiste a qualquer refutação racional, vale dizer, a qualquer refutação feita
com base em argumentos racionais. Por isso se diz corretamente que o
preconceito pertence à esfera do não racional, ao conjunto das crenças que não
nascem  do raciocínio e escapam de
qualquer refutação fundada no raciocínio” (…) Existem várias formas de
preconceito. Uma primeira distinção útil é aquela entre preconceitos
individuais e preconceitos coletivos. (…) Chamo de preconceitos coletivos
aqueles que são compartilhados por um grupo social inteiro e estão dirigidos a
outro grupo social. A periculosidade dos preconceitos coletivos depende
do fato de que muitos conflitos entre grupos, que podem até mesmo degenerar na
violência, derivam do modo distorcido com que um grupo social julga o outro,
gerando incompreensão, rivalidade, inimizade, desprezo e escárnio. Geralmente
esse juízo distorcido é recíproco
(…). A consequência principal do
preconceito de grupo é a discriminação. (…) Que significa
discriminação? A palavra é relativamente recente e foi introduzida e difundida
sobretudo em relação à campanha racial, primeiro nazista e depois também
fascista, contra os judeus, considerados um grupo ‘discriminado’ com respeito
ao grupo dominante. ‘Discriminação’ significa qualquer coisa a mais do que
diferença ou distinção, pois é sempre usada com uma conotação pejorativa.
Podemos, portanto, dizer que, por ‘discriminação’ se entende uma
diferenciação injusta ou ilegítima
. Por que injusta ou ilegítima? Porque
vai contra o princípio fundamental da justiça
(aquela que os filósofos
chamam de ‘regra de justiça’), segundo a qual devem ser tratados de modo
igual aqueles que são iguais
” (…) Apenas posso dizer que os preconceitos
nascem na cabeça dos homens. Por isso, é preciso combatê-los na cabeça dos
homens, isto é, com o desenvolvimento das consciências e, portanto, com a
educação
, mediante a luta incessante contra toda forma de sectarismo. (…)
creio que a democracia pode servir também para isto: a democracia, vale
dizer, uma sociedade em que as opiniões são livres e portanto são forçadas a se
chocar, e, ao se chocarem, acabam por se depurar. Para se libertarem dos
preconceitos, os homens precisam antes de tudo viver numa sociedade livre
.”

(Bobbio, Norberto, 1909-2004. Elogio da serenidade e outros escritos
morais/tradução de Marco Aurélio Nogueira, – 2ª edição – São Paulo : Editora
Unesp,  2011, páginas 103-118).
Sublinhamos.
25. Verifica-se,
à vista de todo o arcabouço fático, jurídico e teórico acima elencado, que, até
prova em contrário, o cancelamento da apresentação da peça “O Evangelho Segundo
Jesus, Rainha do Céu” no Festival de Inverno de Garanhuns de 2018 pela
secretaria estadual de cultura e pela Fundarpe não se encontra devidamente
fundamentado no ordenamento jurídico, uma vez que, segundo informado pela
própria secretaria estadual e pela Fundarpe, a peça passou por processo regular
de seleção e, como visto acima,  não tem
o propósito de fazer qualquer ofensa a nenhuma crença, mas sim o de estimular
a  reflexão sobre a discriminação social,
especialmente dos travestis e transexuais, recorrendo aos valores cristãos do
amor, do perdão, da tolerância e da solidariedade, estando em conformidade com
o princípio da dignidade da pessoa humana e, portanto, dentro dos limites
constitucionais da liberdade de expressão artística, não implicando, até prova
em contrário, na violação de qualquer vedação legal
.
26. Em face da conclusão acima, expedimos a
Recomendação 11/2018 (enviada por e-mail na sexta-feira, 06/07, ao secretário
estadual de cultura e à presidente da Fundarpe e publicada no DOE de 09/07 –
que circulou no dia 06/07), recomendando aos mesmos:
caso tenha sido emitido ato administrativo
formal de cancelamento da peça pelos fundamentos expostos na nota oficial do
Estado, diligenciem pela sua anulação, dada a falta de fundamentação
jurídica válida, providenciando-se a reinclusão da referida apresentação
na grade de programação do FIG/2018, ressalvada a discricionariedade
administrativa dentro dos limites da ordem jurídica, que não admite a submissão
a qualquer forma de discriminação;
– caso não tenha sido emitido ato administrativo
formal de cancelamento reincluam a apresentação na grade de programação do
FIG/2018, por não ter sido demonstrada fundamentação jurídica válida para sua
exclusão, abstendo-se de qualquer novo ato de cancelamento, com a ressalva
acima;
– devendo, em qualquer caso, a Secretaria
e a Fundarpe promoverem o diálogo dos responsáveis pela peça com
eventuais parceiros que mantenham resistência à sua apresentação, desfazendo mal-entendidos,
demonstrando-se o caráter respeitoso da referida peça e aparando-se
as arestas que se faça necessário aparar.
27. Ocorre que em
entrevista veiculada em rádios locais na quarta-feira, dia 11 de julho, em
visita a Garanhuns, o Governador do Estado declarou que não vai atender à
recomendação ministerial, reafirmando o cancelamento e que ele se deu em face
da polêmica, pois, segundo o Sr. Governador, o FIG teria sido criado para “a
unidade e a harmonia
”.
28.  Verifica-se,
assim, que o Estado insiste em albergar pretensões baseadas no preconceito
(PRÉ-CONCEITO) e na discriminação, negando o PLURALISMO afirmado na
Constituição em seu preâmbulo, cancelando peça regularmente selecionada para o
FIG, o que indubitavelmente não encontra amparo nos critérios de conveniência e
oportunidade – pois estes precisam observar os limites do ordenamento jurídico,
que não admite qualquer forma de discriminação.
III. DO POSICIONAMENTO
DISCRIMINATÓRIO DO MUNICÍPIO DE GARANHUNS E DO ESTADO DE PERNAMBUCO VIOLANDO
FRONTALMENTE POLÍTICAS PÚBLICAS LEGALMENTE ESTABELECIDAS PELO ESTADO
Ressalte-se
que, no caso em tela, a peça precipitadamente apontada como anticristã pelo
gestor municipal, que se negou a ceder espaço do Município para sua
apresentação, recorre aos valores cristãos do amor e do perdão, refletindo
sobre a intolerância em relação aos transexuais, como esclarecido publicamente
por sua diretora e pela atriz protagonista; ao restringir-lhes o espaço público
municipal, o Município deixa de atuar como garantidor de direitos para
funcionar com agente da discriminação.
Quando
se refere à população de Garanhuns como integrada cem por cento (100%) por
cristãos e atribuindo aos cristãos em sua totalidade o interesse em impedir a
realização da peça, agindo através de seu gestor nesse sentido, o Município
ofende duplamente seu dever de garantidor de uma sociedade justa, fraterna e
pluralista, pois ignora solenemente a pluralidade da sociedade de Garanhuns e
do próprio cristianismo – dando guarida a manifestações discriminatórias e
intolerantes e supostamente agindo em favorecimento de setores da sociedade em
detrimentos de outros.
Por sua
vez, o Estado de Pernambuco contrariou os princípios do Plano de Segurança
Pública “Pacto pela Vida”, que prevê “Articulação de ações políticas em prol da
população LGBT”, violando também os fundamentos da Lei Estadual nº 12.876/2005,
que dispõe sobre estatísticas da violência contra homossexuais, do Decreto
39.542/2013, que a regulamentou, assim como a Portaria 4.818, de 25/11/2013,
pois, ao invés de prevenir a violência contra os homossexuais, estimulou-a com
a adoção de postura discriminatória.
Ao se
referir ao Festival de Inverno de Garanhuns como proposta de unidade – que, na
verdade, busca impor, o Estado de
Pernambuco também fere de morte o princípio constitucional do PLURALISMO, os
princípios da Constituição Estadual, segundo a qual “
As ciências, as
artes e as letras são livres” (artigo 197, § 1º); fere também a tradição do festival multicultural
de inverno de Garanhuns, conhecido nacionalmente por sua diversidade, ainda
mais num ano em que tem como tema “Um Viva à Liberdade!”.
Outrossim,
o Estado e o Município não podem endossar preconceitos e discriminações, ainda
que sob o rótulo de religiosos de qualquer crença – pois o Estado de Direito
garante a liberdade de crença, mas repele a imposição de concepções de grupos,
religiosos ou não, sobre os demais membros da sociedade.
E
nenhum grupo tem o direito de reivindicar para si a propriedade de qualquer
crença ou religião – seja ela cristã ou não – cuja diversidade é notória,
existindo mesmo grupo que busca conciliar a fé cristã/católica com a
diversidade sexual e de gênero (
www.diversidadecatolica.com.br/) – e o Estado democrático de direito
também não pode negar esse direito de crença.
Em
suma, cabe ao Estado garantir uma sociedade justa, pluralista e fraterna.
IV. DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS EM
JOGO E DO RECONHECIMENTO DA JURIDICIDADE DA PEÇA EM TELA POR DIVERSAS DECISÕES
JUDICIAIS
O
que está em jogo não é uma simples peça de teatro, mas sim princípios basilares
do estado democrático de direito liberal, como o preconizado pela Constituição
de 1988, ainda em vigor
.
Nesse
sentido, a proibição de sua apresentação na programação oficial do FIG/2018,
mesmo depois de regularmente selecionada, devido a pressões sem fundamento
jurídicos – merece a pronta repulsa do Ministério Público e do Poder Judiciário.
Em
setembro de 2017, o juiz José Antônio Coitinho, da 2ª Vara da Fazenda Pública
de Porto Alegre/RS, negou o pedido de advogado que exigia a interdição da peça
no Festival “Porto Alegre em Cena”, promovido pela Prefeitura Municipal.
Disse o
juiz, em sua decisão (em
https://guiame.com.br/gospel/noticias/peca-que-retrata-jesus-como-transexual-e-autorizada-por-juiz-de-porto-alegre.html):
“Não se pode censurar a peça sob
argumento de que estamos em desacordo com seu conteúdo. A liberdade de
expressão tem de ser garantida e não cerceada – pelo Judiciári
o. Censurar
arte é censurar pensamento e censurar pensamento é impedir desenvolvimento
humano”. –
Sublinhamos.
Em
outubro de 2017, o Tribunal de Justiça de São Paulo autorizou a apresentação da
peça, suspendendo a liminar expedida por juiz de Jundiaí-SP (https://oglobo.globo.com/cultura/justica-derruba-liminar-autoriza-peca-com-mulher-trans-como-jesus-21904003).
Ressalte-se,
como mencionado acima e verificamos em livre pesquisa na rede mundial de
compuadores, que a peça já foi apresentada até mesmo em igrejas cristãs – em Curitiba, na Catedral Anglicana de São Tiago (https://www.brasildefato.com.br/2018/03/30/peca-o-evangelho-segundo-jesus-rainha-do-ceu-chega-a-curitiba-veja-mais-dicas/); na Paróquia São Lucas de Londrina, da Igreja Episcopal
do Brasil (
http://dapar.org/2016/notafilo2016/) – e recorre aos valores cristãos do amor,
do perdão e da tolerância, para refletir sobre a discriminação contra os
transexuais.
Quanto
ao papel do Judiciário nessa seara, destaca-se o julgado abaixo:
o Supremo Tribunal
Federal, no desempenho da jurisdição constitucional, tem proferido, muitas
vezes, decisões de caráter nitidamente
contramajoritário
, em clara demonstração de que os julgamentos desta Corte
Suprema, quando assim proferidos, objetivam preservar, em gesto de fiel
execução dos mandamentos constitucionais, a intangibilidade de direitos,
interesses e valores que identificam os grupos minoritários expostos a
situações de vulnerabilidade jurídica, social, econômica ou política e que, por efeito de tal condição, tornam-se objeto de intolerância, de
perseguição, de discriminação e de injusta
exclusão”

(decisão proferida pelo Ministro Celso de Melo em 1º/07/2011, no RE
 477554)”.
V. DO DANO MORAL
COLETIVO EM FACE DOS SOFRIMENTOS DECORRENTES DO CLIMA DE HOSTILIDADE ESTIMULADO
PELO MUNICÍPIO E PELO ESTADO AO ASSUMIREM POSTURA DISCRIMINATÓRIA
A jurisprudência pátria,
especialmente o Superior Tribunal de Justiça, a exemplo da decisão proferida no
processo do Recurso Especial nº 1.221.756-RJO, tem reconhecido a ocorrência de
dano moral coletivo e a necessidade de sua reparação, sempre que o atentado a
interesses difusos seja de:
razoável significância e desborde os
limites da tolerabilidade” e “grave o suficiente para produzir verdadeiros
sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem
extrapatrimonial coletiva”
.
No caso concreto, as posturas do Município
de Garanhuns e do Estado de Pernambuco no episódio contribuíram para o
sofrimento e intranquilidade da sociedade em geral e, em particular, da
população transexual e travesti, na medida em que esses entes albergaram
pressões preconceituosas e discriminatórias, favorecendo um ambiente hostil que
culminou com graves ameaças quem vem sendo sofridas pelos artistas que
trabalham na peça e a população homoafetiva em geral.
INÚMERAS AMEAÇAS DE AGRESSÃO E DE MORTE
FORAM DIRECIONADAS À PRODUÇÃO DA PEÇA E, POR EXTENSÃO, À POPULAÇÃO HOMOAFETIVA
– CONFORME JUNTADO EM ANEXO.
É também público e notório que, em
face de tais ameaças, a produção da peça, que está disposta a vir se apresentar
em Garanhuns no período do FIG, ainda que com meios particulares, está
precisando manter sigilo sobre o local e horário da apresentação – o que é uma
situação inadmissível no estado democrático de direito
http://www.blogdocarloseugenio.com.br/2018/07/com-ingressos-esgotados-polemica-peca.html).
Destaque-se a grave situação de
mortes por homofobia no País e no Estado de Pernambuco, conforme noticiado
em  em http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-01/levantamento-aponta-recorde-de-mortes-por-homofobia-no-brasil-em):
Em
2017, 445 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBTs) foram
mortos em crimes motivados por homofobia. O número representa uma vítima a
cada 19 horas. O dado está em levantamento realizado pelo Grupo Gay da Bahia
(GGB), que registrou o maior número de casos de morte relacionados à
homofobia desde que o monitoramento anual começou a ser elaborado pela
entidade, há 38 anos.
Os
dados de 2017 representam um aumento de 30% em relação a 2016, quando foram
registrados 343 casos. Em 2015 foram 319 LGBTs assassinados, contra 320 em
2014 e 314 em 2013. O saldo de crimes violentos contra essa população em 2017
é três vezes maior do que o observado há 10 anos, quando foram identificados
142 casos.
Também
nesta quinta-feira (18) a organização não governamental Human Rights divulgou um relatório
a respeito da violação dos direitos humanos no Brasil. O documento destaca
que a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos recebeu 725 denúncias de
violência, discriminação e outros abusos contra a população LGBT somente no
primeiro semestre de 2017.
Levantamento
O
levantamento realizado pelo GGB se baseia principalmente em informações
veiculadas pelos meios de comunicação. Na avaliação de Luiz Mott, fundador do
Grupo Gay da Bahia e um dos autores do estudo, o fenômeno pode ser ainda
maior, uma vez que muitos casos não chegam a ser noticiados.
“Tais
números alarmantes são apenas a ponta de um iceberg de violência e sangue,
pois não havendo estatísticas governamentais sobre crimes de ódio, tais
mortes são sempre subnotificadas já que o banco de dados do GGB se baseia em
notícias publicadas na mídia, internet e informações pessoais”, comenta.
Causas
violentas
Das
445 mortes registradas em 2017, 194 eram gays, 191 eram pessoas trans, 43
eram lésbicas e cinco eram bissexuais. Em relação à maneira como eles foram
mortos, 136 episódios envolveram o uso de armas de fogo, 111 foram com armas
brancas, 58 foram suicídios, 32 ocorreram após espancamento e 22 foram mortos
por asfixia. Há ainda registro de violências como o apedrejamento,
degolamento e desfiguração do rosto.
Quanto
ao local, 56% dos episódios ocorreram em vias públicas e 37% dentro da casa
da vítima. Segundo o GGB, a prática mais comum com travestis é o assassinato
na rua a tiros ou por espancamento. Já gays em geral são esfaqueados ou
asfixiados dentro de suas residências.
Um
exemplo foi o assassinato da travesti Dandara, de 42 anos. Ela
foi espancada, apedrejada e depois morta a tiros por oito pessoas em
Fortaleza no dia 15 de fevereiro de 2017. Os autores ainda registraram o
crime em vídeo, que ganhou grande circulação nas redes sociais.
Distribuição
regional
O
estado com maior registro de crimes de ódio contra a população LGBT foi São
Paulo (59), seguido de Minas Gerais (43), Bahia (35), Ceará (30), Rio de
Janeiro (29), Pernambuco (27) e
Paraná e Alagoas (23). Entre as regiões, a maior média foi identificada no
Norte (3,23 por milhão de habitantes), seguido por Centro-Oeste (2,71) e
Nordeste (2,58).
Conforme
a Associação Nacional de Travestis e Transexuais, o número de assassinatos de
travestis e transexuais em 2017 foi o maior em dez anos
(http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-01/assassinatos-de-travestis-e-transexuais-e-o-maior-em-dez-anos-no-brasil).
A
hostilidade favorecida pela postura do Estado e do Município ao albergarem
pressões discriminatórias contra os transexuais também tende a agravar os já
alarmantes índices de suicídios nesse segmento da população, estimulados pelo
preconceito e a exclusão social. Nesse sentido: https://antrabrasil.org/2018/06/29/precisamos-falar-sobre-o-suicidio-das-pessoas-trans/).
3. DA TUTELA DE
URGÊNCIA
Segundo o novo CPC, as tutelas
jurisdicionais provisórias, como o próprio nome diz, não são tutelas
jurisdicionais definitivas, mas são concedidas pelo Poder Judiciário em juízo
de cognição sumária, que exigem, necessariamente, confirmação posterior,
através de sentença proferida mediante cognição exauriente.
Dentre elas, existe a tutela provisória
de urgência, cujo tema é o que aqui nos interessa. É assim denominada porque
exige inadiável concessão do direito pleiteado.
Pelo texto do art. 300 do novo diploma
legal, a tutela de urgência exige demonstração de probabilidade do direito e
perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
Essa tutela de urgência ainda comporta
mais duas divisões: a) tutela provisória de urgência antecipada ou satisfativa
e b) tutela provisória de urgência cautelar. Trataremos da primeira. A tutela
provisória de urgência antecipada/satisfativa assegura a efetividade do direito
material. Nela, precisa-se demonstrar ao juiz que, além da urgência, o direito
material pleiteado pelo autor estará em risco se ele não obtiver a concessão da
medida.
Desse modo, verificada a natureza dos
direitos que se pretende resguardar, a espera do provimento final gera o risco
de
ofensa irreversível
à integridade do festival de inverno de Garanhuns/2018, cujo tema é “Um viva à
liberdade!” e à credibilidade do Estado como garantidor da liberdade de
expressão e do pluralismo social. A peça entrou na grade de programação para
ocorrer no dia 26/07/2018, às 23h, para um público adulto entre 70 e 100
pessoas, como informado pela própria secretaria estadual de cultura e pela
Fundarpe. Cedendo às pressões preconceituosas e discriminatórias às vésperas do
Festival de Inverno; dai a urgência da necessidade de correção do ato ilegal.
Repito: O QUE ESTÁ EM JOGO NÃO É UMA
PEÇA TEATRAL, MAS OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO E A CAPACIDADE DO ESTADO DE SER GARANTIDOR DA LIBERDADE E DE UMA
SOCIEDADE FRATERNA, PLURALISTA E SEM PRECONCEITOS – A SUBORDINAÇÃO DO ESTADO À
DISCRIMINAÇÃO ESTIMULA O ÓDIO E A VIOLÊNCIA NO SEIO DA POPULAÇÃO.
Esse é o perigo do dano, um dos
requisitos exigidos no art. 300, já citado, para a concessão da tutela
pretendida.
A segunda condição consiste na
probabilidade do pedido, cuja demonstração foi dada no tópico desta inicial que
tratou “das razões fáticas e jurídicas”, demonstrando que o pedido que se faz
encontra amparo no ordenamento em vigor.
Dessa
forma, imperiosa a concessão da tutela provisória de urgência satisfativa para
que seja
determinado
ao
Estado de Pernambuco
que reinclua, em 24 horas, na  grade de
programação do FIG/2018 – “Um viva à liberdade!” – a referida apresentação
teatral regularmente selecionada, que estava prevista para o dia 26/7, para um
público adulto, às 23h, com capacidade entre 70 e
100 pessoas
, conforme a própria secretaria estadual de cultura e
Fundarpe informaram – determinando-se também ao Estado e ao Município que
diligenciem para estimular o diálogo entre os produtores da peça e os demais
parceiros e  a população em geral,
desfazendo mal-entendidos e preconceitos, e garantindo a segurança necessária à
referida apresentação.
VDO PEDIDO FINAL
Por todo o exposto,
o
Ministério
Público
requer:
a) A concessão
da tutela de urgência, inaudita altera pars, em todo seu teor e alcance
acima elencados
;
b) A citação do Estado de Pernambuco e do Município de Garanhuns, processando-se conforme a Lei nº
7.347/85 e o CPC;
c) Designação, após a concessão da
tutela de urgência, de audiência de conciliação, conforme prevê o CPC,
quanto ao valor da indenização do dano moral coletivo
;
d) A procedência do pedido, com a
confirmação da tutela provisória em sentença e a condenação dos requeridos pela
prática de discriminação contra a população homoafetiva, especialmente os
transexuais, e da violação do seu dever de garantidores de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos
;
e) a condenação do Estado de
Pernambuco e do Município ao pagamento de indenização por danos morais
coletivos no valor de dez vezes o custo da referida peça, cada um, a ser
revertido em campanhas contra a discriminação da população homoafetiva,
especialmente dos transexuais, bem como à obrigação de implantação de políticas
públicas efetivas em defesa da população LGBT, e contra a discriminação, em
especial dos transexuais, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
O Ministério Público pugna pela produção
de
todas
as
provas
admitidas
em
D
ireito,
especialmente:
ouvida
de
testemunhas,
inspeção
judicial
e
a
juntada
de
novos
documentos além
dos
que

acompanham
esta
petição
e
a
ela
se
integram,
resguardando-se,
ainda,
o
direito
de
especificar
tais
provas
no
momento
processual
oportuno, e, desde já, requeremos que se requisite cópia
do processo de seleção da referida peç
a.
Dá-se
a
causa
o
valor
de
R$
100
.000,00
(cem mil
reais).
Garanhuns-PE,
16
de
julho
de
2018.
Domingos
Sávio
Pereira
Agra
Promotor
de
Justiça
ROL:
Integrantes da curadoria externa do
FIG/2018, responsáveis pela seleção da peça teatral.