BUSCA DE NOTÍCIAS 2021
BUSCA DE NOTÍCIAS DE 2013 A 2020
BLOG DO CARLOS EUGÊNIO | sábado, 20 de julho de 2013


Ser professor de literatura em Garanhuns é meio caminho andado para se
tornar escritor. Curiosamente, a cidade no Agreste pernambucano tem cena
literária protagonizada por autores que dividem o tempo entre salas de aula e a
produção de obras. A paixão pelas letras uniu Helder Herik, Mário
Rodrigues e Nivaldo Tenório
, poeta, romancista e contista,
respectivamente, para a criação do selo u-Carbureto, por onde publicam os
próprios livros. Eles também compõem as atividades literárias do Festival de
Inverno de Garanhuns (FIG), até a próxima sexta-feira (26).

A programação está concentrada no pavilhão Praça da Palavra
(Bairro de Heliópolis), onde acontecem palestras, cursos, recitais e lançamentos.
Neste ano, o evento traz como convidado o escritor Xico Sá, e homenageia
Luzinette Laporte, que começou a escrever após atuar 30 anos como professora.
(PERNAMBUCO.COM)
Confira um bate-papo com os quatro escritores. 

O que acham da programação literária do FIG?

Mário
Rodrigues
  – O FIG é um momento que a cidade tem para funcionar
como vitrine, mostrar seus valores em todas as áreas. Na literatura, as
atenções se viram para escritores locais. Este ano, temos programação associada
ao programa de rádio Café Colombo, que por meio de entrevistas faz a ponte com
o Recife. A presença de Xico Sá, um nome da literatura nacional, encorpa o
evento. Isso tudo abre oportunidades para a gente entrar em contato com
jornalistas, escritores e com o público. Também para escoar essa nossa produção
literária, mostrar nossa existência.


 Nivaldo
Tenório
– É uma coisa nova no FIG. As iniciativas da Fundarpe no
quesito literatura sempre foram muito tímidas. No começo tínhamos oficinas, mas
depois pararam de ser ministradas pelos escritores e foram direcionadas para
professores. Por muito tempo o evento não teve literatura na programação, vazio
que era preenchido pela programação do Sesc. Houve mais espaço na época em que
Raimundo Carrero era presidente da Fundarpe, e agora está voltando por causa de
Wellington de Melo. Essa coisa de estabelecer conversa com escritores da cidade
é bem interessante.

A visibilidade continua a render frutos depois do evento?

Nivaldo
Tenório
–  Isso funciona melhor para músicos que têm oportunidade
de se apresentar nos palcos descentralizados, mesmo que o público não seja
expressivo. Como o evento é muito grande, acredito que acaba dando certo também
para escritores locais que querem mostrar seus livros, serem vistos. Para falar
mais do que isso, ainda é cedo.

Como enxergam a homenagem à Luzinette Laporte?

Mário
Rodrigues
  – É uma escritora da terra que todos nós gostamos e
com a qual nos identificamos muito.


Helder
Herik
– Luzinete é uma das maiores escritoras do estado. Homem com
girassóis no olhar é um dos livros mais importantes dos últimos dez anos
publicados em Pernambuco. Ela usa metáfora da passagem do tempo como se fosse
um semáforo. Enquanto o homem espera para atravessar para o outro lado, reflete
sobre a existência, sobre o que fez da vida. Está fraco, envelheceu, não tem
como voltar atrás. É um livro denso, extremamente humano. Além disso, é uma
pessoa adorável, de bom papo. Meu terceiro livro é dedicado a ela.


 Luzinette
Laporte
– Me sinto espantada, impressionada como as pessoas me olham
desse jeito. Não sou nada disso. Homero Fonseca quando apresentou Roliude em
Garanhuns falou muito sobre mim, que eu publiquei texto dele com 18 anos… Então
essas coisas vão ficando. Sempre agradeço muito a Deus por tudo.


 Nivaldo
Tenório
– Sou bastante chegado a Luzinette, uma ótima escritora. Por
causa da subjetividade, da reflexão, muitos críticos apressados vincularam a
escrita dela a Clarice Lispector,  mas ela própria negou essa relação.


 Luzinette
Laporte –
Não neguei, fiquei envaidecida, mas como poderia ter uma
visão diferente de mim mesma? Foi um choque. Fiquei muito satisfeita, mas não
como se fosse uma cópia, mas como se tivesse a mesma “alma”…  o mesmo modo
de pensar e sentir a vida.


Mesmo que não proceda, a comparação foi um grande elogio…

Luzinette
Laporte
– Não tenho uma maneira de escrever muito atrativa. Também tenho
livros infantis, e neles escrevo com linguagem para criança. Mas quando escrevi
os livros para o público adulto, fui falando para eles, e fico muito alegre em
saber que são bem aceitos. É alegria, nao é vaidade. É como uma mãe que tem um
filho e todo mundo acha ele bonito. (risos)

Mário, Herik e Nivaldo, vocês criaram o selo u-Carbureto, por meio do qual
publicam os próprios livros. Como isso tem funcionado para cada um?

Helder
Herik
– A proposta é de todo ano publicar um livro de cada um de nós,
e também de abrir espaço para escritores da cidade que queiram participar.


Nivaldo
Tenório
– Gostaríamos de publicar livros de pessoas com estilos
diferentes, mas acabamos publicando apenas os nossos, por diletantismo, por
puro prazer.  Embora a gente leve literatura muito a serio, não há profissionalismo.
Mesmo assim temos sido incentivados e reconhecidos, tanto pelo conteúdo quanto
pela proposta editorial. A tendência é profissionalizar e levar para a frente.

Quais as publicações mais recentes? Há algum lançamento previsto?

Mário
Rodrigues
– O meu mais novo, Brazil, 2014, não chega a ser romance
social, mas tem reflexão sobre questões sociais que considero importantes. O
título ironiza a Copa do Mundo, um acontecimento que chancela que o Brasil está
se tornando um país diferente, a ponte de sediar grandes eventos. Na realidade,
sofremos de grandes problemas, como o preconceito racial, a violência, as
segregações. Aqui em Garanhuns, está à venda nas livrarias Mec, Café e na
programação literária do FIG.


 Nivaldo
Tenório
– Sou o tipo de escritor que fica fazendo e refazendo os
textos, e acabo demorando para publicar. Mas fiquei bem animado com a boa
recepção que teve Dias de febre na cabeça. A matéria publicada no Diario
de Pernambuco,
em abril deste ano, abriu portas. Depois dela, o livro
ganhou outras quatro resenhas bastante generosas e elogiativas, uma delas de
Raimundo Carrero. Eu apareci. As pessoas estão me cumprimentando, dizendo que
leram meu livro… Isso nunca aconteceu na minha vida. Então em dois anos, no
máximo, quero estar com outro livro publicado.

Que dificuldades são mais comuns?

Helder
Herik
– Tem aquilo de ser ignorado na própria cidade, enquanto tem seu
nome sendo feito no Recife. Santo de casa não faz milagre. Você escreve aqui
mas não atinge muitas pessoas, embora seu material tenha qualidade. Há
dificuldade com distribuição, logística, divulgação…


 Mário
Rodrigues
– Todo mundo que publica de maneira independente enfrenta
grandes obstáculos. Meu romance A curva secreta da linha reta teve certa
repercussão e aceitação aqui em Garanhuns, mas muito disso se deve ao fato de
eu ser professor, ter muitos alunos. É difícil sair desse nicho e atingir
outros lugares, até mesmo o Recife. Ficamos muito restritos.


 Helder
Herik
– Existem outros escritores com material pronto, mas talvez com
dificuldades. Nós temos ânsia de publicar. Nossos livros saem com a mesma
qualidade dos vendidos pela Companhia das Letras ou pela Record, mas ficamos
com os livros em casa. Nos perguntamos: e agora? Como fazer circular?


 Nivaldo
Tenório
– A distribuição é dificil, mesmo. Mas, no fundo, não estamos
preocupados com isso. Não queremos que os livros cheguem para milhares de
pessoas. Temos em comum o fato de nos preocuparmos em mostrar os livros a um
editor, a um crítico literário… a buscar respostas nesse universo. Queríamos
mesmo era sermos publicados por uma grande editora.

Há um ambiente propício à literatura em Garanhuns?

Mário
Rodrigues
– Sim, existe uma cena literária, que até um tempo atrás era
dispersa, e com o tempo veio ganhando consistência. O mais relevante, acredito,
é que não apenas se escreve, mas há a consciência do fazer literário e a
vontade de produzir uma obra relevante.


 Luzinette
Laporte
– Garanhuns é uma cidade riquíssima. Nossos escritores são
otimos. Digo para eles enviarem livros para fora, para ganharem prêmios. Eles
escrevem bem, escrevem gostoso, de um jeito que a gente aproveita a leitura,
mas não divulgam isso. O primeiro livro infantil que escrevi vendeu cinco
edições no Sul e Sudeste. Aqui ninguém tem. Não dá para ficar só no seu
lugarzinho, não.

É curioso notar que além de escritores, vocês quatro são professores…

Helder
Herik
– Outros autores que conheço também estão ligados às letras.
Parece ser uma característica de Garanhuns. No meu caso, venho tentando reduzir
minha carga horária pela metade, pois tenho projeto de escrever sempre, tanto
poesia (da alma, da angústia, da filosofia, do gracejo),  quanto livros
infantis. Não quero ser conhecido como um professor que escreve, mas um
escritor que, por questão de sobrevivência, dá aulas.


 Mário
Rodrigues
  – A gente está inserido em um mundo moderno, cheio de
possibilidades, e a literatura é apenas mais uma delas. Na sala de aula tento
fomentar interesse pelos livros, mas tenho consciência de que nem todo aluno
vai responder a isso. Em 10% deles, os olhos brilham quando falamos em
literatura, então o papel do professor é identificar esses estudantes e
trabalhar para que o interesse continue mesmo depois de deixarem o âmbito escolar.
Como diz o escritor Milton Hatoum, a literatura é a arte da pequena minoria.


 Nivaldo
Tenório
– Mário e Helder são professores com carga horária extensa. Dou
aulas apenas eventualmente. Sou funcionário público, e trabalho meio
expediente, então me sobra mais tempo.


 Luzinette
Laporte
– Fui professora por 30 anos e 7 meses. Às vezes Nivaldo me
conta que se sente decepcionado em dar aula. Mas digo a ele que não fique
assim, pois os jovens estão se procurando, ainda não se encontraram, estão com
a cabeça cheia de interrogação. Se ele deixar de ensinar, deixa de aprender.

Os alunos costumam ler os livros dos professores?

Helder
Herik
– Sim, eles formam boa parte do público. Estou com o livro A
invenção dos avós pronto, mas não quero lançar no FIG por medo de não ter
grande público, pois as pessoas se dispersam. Devo lançar em agosto, com a
volta às aulas. (
PERNAMBUCO.COM)