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BLOG DO CARLOS EUGÊNIO | domingo, 03 de novembro de 2013

“É engraçado como,
normalmente, nós não nos damos conta de que nossos pequenos e despretensiosos
atos tornar-se-ão História um dia e serão contados, escritos, estudados e
julgados pelos pósteros.
 


É bem verdade que
essa regra não é geral: Michelangelo, por exemplo, devia estar plenamente
consciente – e isso no exato momento em que esculpia o Davi – de que aquela
seria uma das obras-primas da escultura mundial, até porque, momentos antes de
ser o eleito pela Comuna di Firenze para levar a cabo a obra, travara com
ninguém menos que Da Vinci – já uma celebridade – um renhido embate pelo
direito de forjar ninguém menos que “o pequeno que derrubou o gigante
Golias” – um símbolo de toda uma geração, a aludir ao pequeno ser humano
que, naqueles dias de Renascimento, voltava a ser o centro do mundo, derrocando
o teocentrismo medieval. Essa mesma argumentação vale para um Lúcio Costa e um
Niemeyer, por exemplo, ao projetarem a nova Capital Federal, um feito, desde a
origem, grandioso.
 

Mas eu não estou
falando dos grandes momentos, nascidos para serem memoráveis, mas dos pequenos.
Quantos daqueles homens do ciclo do gado nordestino estavam conscientes de que,
ao erguerem uma rústica capela em suas terras, mais fruto de sua fé que de
qualquer outra coisa, estariam entrando para a história como os grandes
beneméritos da povoação que ali despontaria, em torno da primitiva igrejinha e
da espontânea feira livre. Seriam elevados a “fundadores”,
tornar-se-iam legendas, ganhariam bustos e teriam cada pequeno ato de sua vida
esmiuçado, desde os mais inconsequentes da adolescência até os finais, muitas
vezes de intrigante recolhimento.
 

Uma Simoa Gomes, a
matriarca de Garanhuns, por exemplo, que, mais de 100 anos antes da Lei Áurea,
alforriava seus escravos, decerto sem imaginar que esse comportamento, mais
aleatório que intencional, quando visto sob a ótica renovada dos séculos
subsequentes, imprimiria a sua personalidade uma aura mágica de heroísmo, para
além da senhora extremamente piedosa, quase uma beata, que ela realmente era.
 

De fato, como
refletia Camus, as coisas só ganham sua real dimensão quando contadas. E isso
deveria servir de alerta aos homens públicos, por exemplo, que, mesmo expostos
aos olhares de todos, insistem em agir inconsequentemente, sem preverem que
seus atos, os mínimos, absolvê-los-ão ou condená-los-ão perante o tribunal dos
tempos. Foi não levando isso em consideração que se destruiu, por exemplo, o
Castelinho de Ruber van der Linden e as Mercedárias, em Garanhuns. E que acabaram
com a arborização do Casarão dos Lundgren e, agora, estão destruindo o Parque
dos Eucaliptos, sob a alegação de que as mirtáceas, tão identificadas com os
garanhuenses, após anos e anos de serviços prestados a esta terra, são agora
vistas como plantas “exóticas” e “não ideais à arborização
urbana”.

O Relógio de
Flores, por exemplo, desde que foi inaugurado, vem conquistando a simpatia de
10 entre 10 garanhuenses e visitantes. Sem embargo, não poucas foram as vezes
em que se lhe tentou destruir, inclusive passando-se com um carro por cima de
seus gramados e flores. Tudo perece, é verdade, e o relógio pode até sucumbir,
engolido pela irresponsabilidade humana. Mas não se enganem: o relógio é apenas
uma representação do tempo, e o julgamento desse, meus caros, ah, o julgamento
do tempo é implacável.

Triste de quem
passa inconsequente por esta vida e lega ao futuro um rastro de destruição.
Apiedo-me de almas tão miseráveis, mas me conforta a certeza de que a justiça
tarda, mas não falha”.

* Igor Cardoso é membro do Instituto Histórico e
Geográfico de Garanhuns e do Centro de Estudos de História Municipal
(CEHM)